domingo, 6 de março de 2011

A Morte Iminente do Balé

por Francisco Quinteiro Pires.
Veja integra com entrevista em link no final da postagem.

Jennifer Homans, ex-bailarina, autora de 
Apollo´s Angels.

A técnica do balé e o seu desenvolvimento formal são a essência de Apollo"s Angel - A History of Ballet (Random House, 648 págs., US$ 35). Publicado no fim do ano passado e eleito pelo New York Times um dos melhores livros de 2010, narra o desenvolvimento do balé durante os três últimos séculos.

A explicação para o título do livro vem de uma necessidade de superação. Segundo Jennifer, os bailarinos apreciam o deus pagão Apolo porque ele representa a ideia de um físico nobre, estruturado em proporções perfeitas. "Apolo explica por que uma contusão ganha no balé uma dimensão moral", diz. Além de representantes do erotismo, os anjos simbolizam o desejo do dançarino de tirar o pé do chão, primeiro passo para se aproximar da divindade. Os bailarinos, segundo a autora, não querem ser parecidos com o restante da humanidade. O significado de Apollo"s Angels revela uma das linhas de pensamento de Jennifer, para quem o balé precisa ser admirado pelo seu conjunto de princípios e não só pela sua performance atlética.
A ruína de uma arte incapaz de se inovar.

Jennifer teve de enfrentar uma barreira, à primeira vista, intransponível. A tradição do balé é oral, passa de uma geração para outra pelo contato entre professor e aluno. A ausência de registros escritos obrigou a autora a reproduzir no estúdio de dança os fragmentos de obras perdidas. Sob essa delicada perspectiva, ela pôde debater a evolução dessa arte que nasceu no seio da aristocracia francesa do século 16. Para Jennifer, o que foi criado como etiqueta aristocrática pode ser lido como um acontecimento político. "O balé será mais bem compreendido se analisado à luz das mudanças políticas e intelectuais dos últimos séculos."


Publicado Originalmente em O Estado de S.Paulo - 06/03/11.

terça-feira, 1 de março de 2011

Direitos autorais: por que me preocupo

Reproduzo um texto de Lilian StarobinasMestre em História Social e doutora em Educação, sobre a atual direção que toma o debate e o processo de reformulação e modernização da Lei de Direito Autora junto ao MinC.


Por que me preocupo com a questão dos direitos autorais?

Como diz o Cory Doctorow, no excelente "Why I Copyfight" (que traduzimos coletivamente aqui ), a cultura é mais antiga que o Copyright.
A humanidade tem criado e compartilhado materialmente símbolos há mais de 5.000 anos
O Copyright existe há uns 300 - vejam no ótimo "Copy Right or Wrong?", artigo da The Economist de abril de 2010.
As legislações foram se tornando complexas, envolvendo, entre outras coisas, a possibilidade de cessão dos direitos a outras figuras que não o próprio criador e a transmissão desses direitos aos herdeiros.
O Copyright, portanto, não deve ser encarado com a maior naturalidade do mundo. Ele é fruto de acordos da sociedade que geraram certas legislações. E leis, acredito eu, precisam atender às necessidades da sociedade. Não podem eternizar-se e engessar a sua dinâmica.
Nos últimos 40 anos, a reprodução fiel de textos, sons e imagens vem ficando muito mais simples, barata e acessível, causando uma enorme reação de entidades que administram a cobrança dos Direitos Autorais.
Algumas práticas que eram vistas como naturais há um par de décadas - presentar um amigo com uma seleção de música gravadas dos discos para uma fita K7, gravar um seriado de TV no video cassete - são hoje apontadas como apropriação indevida. As empresas de tecnologia investem maciçamente para dificultar o compartilhamento, enfatizando valores que apresentam cultura como produto. Quem quiser ter acesso ou dar acesso, que trate de pagar a conta.
Há um problema grave em pensar cultura dessa forma.
Alguém tem dúvida que Manuel Bandeira pertence à cultura brasileira? Pois há sobrinhos-netos que seguem atuando para serem regiamente remunerados a cada imagem ou poema seu que seja incluído numa nova obra - o que fez o poeta Lêdo Ivo, de 86 anos, membro da Academia, chamá-los de "herdeiros famélicos" e declarar que acredita que essas obras deveriam ser consideradas de "utilidade pública".
Alguém acha que faz sentido a União da Ilha precisar pagar R$800 mil para cantar "Parabéns à você" na Marquês de Sapucaí?
Claro que tem gente que acha que faz sentido, tanto é que cobram, e podem nos explicar longamente como as leis em vigência legitimam sua posição.
E é exatamente por isso que sou favorável à alteração da legislação atual, eu e mais milhares de pessoas no Brasil inteiro, parte das quais participou das consultas para a modernização da Lei de Direitos Autorais, conduzido pelo Ministério da Cultura ao longo dos últimos anos. Inúmeras entidades se manifestaram, com posições das mais diversificadas. É assim que se constrói uma sociedade democrática, certo?
A mudança de gestão no Minc tem trazido apreensões.
Em seu discurso de posse, a ministra não se manifestou sobre o processo de consulta a Lei de Direitos Autorais, e a impressão que passa é de um posicionamento prévio desfavorável ao projeto, talvez até sem leitura cuidadosa - já que as mudanças esboçadas são ainda bastante conservadoras.
Ao longo do mês, vem dando sinais de intenções de ruptura com a idéia de licenças alternativas, mandando retirar as licenças em Creative Commons do site do ministério.
As iniciativas de diálogo com o Ministério tem unido muitas outras pessoas que pensam como eu, e que assinaram e uma Carta Aberta, que por enquanto está na Rede mas em breve será entregue em mãos a própria ministra.
A visão de cultura que prevalecerá no Minc durante o governo Dilma Roussef é o que está impreciso nesse momento - e o que é preciso estabilizar. Se cultura for apresentada como sinônimo de produto, andaremos para trás no que diz respeito à discussão dos direitos autorais. Se for vista como processo, no qual participam não só os artistas de renome, mas todo o povo brasileiro, de formas muito variadas, possivelmente estaremos num caminho com desdobramentos bastante mais ricos no que diz respeito à produção, disseminação e acesso aos bens culturais.
Lilian Starobinas