sexta-feira, 22 de abril de 2011

Tiradentes: Mito e Homem

A despeito da data comemorativa ter sido ontem, o fato é que sempre há a necessidade de pensarmos em nossa identidade cultural e em nossos ícones nacionais.



A imagem do movimento da Inconfidência Mineira e de Tiradentes não foi a mesma ao longo dos anos. Na época do Império, Tiradentes era um personagem histórico obscuro. Não era sem razão: como exaltar figuras que tinham conspirado contra uma monarquia, cujos descendentes (D. Pedro I e II) eram os governantes de então? Sem chance...

Quando o governo republicano entra em cena, a partir de 1889, era preciso encontrar símbolos e heróis que ajudassem a construir uma imagem positiva da nova Nação que surgia. Os inconfidentes e, principalmente, Tiradentes caíram como uma luva nesse perfil desejado: o desejo de liberdade e o sacrifício por um ideal, foram o combustível para moldar uma lenda. Na manipulação dos governos e no imaginário popular Tiradentes transformou-se em um Jesus Cristo que também era representado, nas ilustrações, com cabelos e barbas bem crescidos e vestido em um camisolão branco, à beira da morte injusta e cruel. A história, em si, tinha elementos muito semelhantes: o mártir sacrificado em nome de um grupo e um traidor que o denunciou em troca do perdão de sua dívida (Sivério dos Reis/ Judas Iscariotes). Pelas décadas seguintes a figura dele era irretocável diante da exaltação cívica, seja através do feriado, das homenagens e das cartilhas das escolas. Tiradentes era a estrela absoluta, enquanto os outros inconfidentes eram só um detalhe.

Após a segunda metado do século 20, surgiram as ondas de revisão da História. As versões variavam dos extremos do grande herói e líder ao bode expiatório, sem importância no movimento, que morreu por ser pobre e não ter “as costas quentes”. Com o tempo, a imagem foi sendo desconstruída. A começar pela sua imagem. Como era militar, Tiradentes poderia ter, no máximo, um discreto bigode. Durante os 3 anos de prisão, não havia a menor possibilidade de cultivar cabelos e barbas, pois os prisioneiros eram obrigados a raspá-los a fim de evitar piolhos.

Tiradentes (1746 - 1792) era uma exceção no grupo dos inconfidentes. Na descrição de Boris Fausto foi “desfavorecido pela morte prematura dos pais, que deixaram sete filhos, perdera suas propriedades por dívidas e tentara sem êxito o comércio. Em 1775, entrou na carreira militar, no posto de alferes, o grau inicial do quadro de oficiais. Nas horas vagas, exercia o ofício de dentista, de onde veio o apelido algo depreciativo de Tiradentes”.

No período da investigação da conspiração (devassa), muitos membros influentes da conspiração se valeram de sua posição para escapar de uma condenação mais dura. O historiador brasilianista Kenneth Maxwell conclui que registros históricos foram distorcidos e alguns dos homens mais ricos e influentes da região conseguiram evitar serem incriminados e, por extensão, esquecidos pela história. Maxwell ainda conta que nos depoimentos - embora muitos procurassem amenizar a importância das ações dos outros companheiros - nenhum negou a participação de Tiradentes, nem diminuiu o grau de sua participação. Alguns chegaram até a dizer que o seu entusiasmo pela revolução era fanático e, às vezes, imprudente. Alguns inconfidentes, considerados importantes, chegavam a evitar um maior envolvimento com ele por conta de sua “imprudência”.

Para o governo português, Tiradentes como condenado era perfeito: pouca gente levaria a sério um movimento chefiado por um “tiradentes”, e ainda serviria como exemplo a todos os outros colonos que quisessem tentar fazer algo contra a autoridade vigente.

Maxwell, acusados por alguns de menosprezar a atuação de Tiradentes, diz que esta não é sua pretensão. Diz ainda: “Ele foi, sem dúvida, o catalisador da revolução na conturbada Minas Gerais de 1788. Um decidido propangandista de uma Minas Gerais independente, republicana e auto-suficiente, ele pretendia desencadear a revolta”. Ele “não era influente, não tinha importantes ligações de família, era um solteirão que passara a maior parte da sua vida à sombra de protetores mais ricos e bem-sucedidos”. Mas ao final, enfrentou a morte com uma tranquila dignidade que o alçou a herói, posteriormente, em meio a todo o fracassado movimento. Independentemente das verdades ou mitos, a Inconfidência e Tiradentes são emblemas de um país que caminha sempre em busca de sua identidade e autonomia.

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